A FIV (fertilização in vitro) é uma técnica de reprodução assistida indicada para o tratamento de infertilidade, feminina e masculina. O procedimento é realizado em diferentes etapas, desde a coleta e seleção dos gametas (óvulos e espermatozoides), à fecundação, que ocorre em laboratório, cultivo dos embriões e transferência para o útero materno.
Tornou-se popularmente conhecida na década de 1970, quando nasceu o primeiro bebê concebido pela técnica, Louise Brown, que em julho de 2020 comemora 42 anos.
A FIV é considerada, atualmente, o principal tratamento para pessoas que enfrentaram dificuldades em engravidar. Além disso, é a técnica de reprodução assistida que apresenta os percentuais mais altos de sucesso na gravidez.
Para quem o tratamento da FIV é indicado?
Desenvolvida com o propósito de solucionar problemas de infertilidade causados por obstruções nas tubas uterinas, a FIV, entretanto, evoluiu nas últimas décadas.
A técnica, hoje, possibilita também o tratamento de infertilidade feminina provocada por outras causas: idade avançada, distúrbios de ovulação, endometriose, infertilidade sem causa aparente são alguns exemplos.
Entre os avanços que ocorreram, um dos mais importantes foi o desenvolvimento, na década de 1990, da injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI). A FIV com ICSI possibilitou o tratamento de infertilidade masculina grave, até então, considerado sem solução, como ausência de espermatozoides no ejaculado (azoospermia), baixa produção (oligozoospermia) e obstruções que impedem ou dificultam o transporte.
Na FIV com ICSI, ao mesmo tempo que técnicas de preparação seminal permitem a seleção de espermatozoides com melhor morfologia e motilidade, nos casos em que há baixa produção ou ausência deles no sêmen, é possível recuperá-los do epidídimo ou dos testículos.
Antes da fecundação, cada espermatozoide é ainda avaliado com a utilização de um microscópio de alta potência e definição. Posteriormente, é injetado diretamente no óvulo. Dessa forma, é possível obter com mais sucesso uma quantidade maior de óvulos fecundados e, consequentemente, de embriões.
A FIV com ICSI, hoje é o método mais utilizado nas clínicas de reprodução assistida do mundo todo para o tratamento de infertilidade de homens e mulheres. Além disso, diferentes técnicas complementares também tornaram possível contornar vários problemas que podem comprometer o desenvolvimento da gravidez ou dificultar a concepção.
Elas beneficiam, inclusive, casais homoafetivos, com a doação de gametas ou embriões e o útero de substituição, que estão entre as que integram o conjunto.
FIV (Fertilização In Vitro) passo a passo:
Veja um breve passo a passo que demonstra, de forma detalhada, a sequência das principais etapas da fertilização in vitro:
1 – Estimulação ovariana
A estimulação ovariana é realizada com o propósito de induzir o desenvolvimento de um maior número de folículos (que contêm os óvulos) e assim ter um maior número de óvulos disponíveis para a fecundação.
Em um ciclo natural, por exemplo, ainda que vários folículos cresçam, apenas um desenvolve, amadurece e rompe liberando o óvulo (ovulação). Na FIV o objetivo é obter até 10 óvulos maduros, aumentando as chances de fecundação.
O procedimento é realizado com a utilização de hormônios semelhantes aos produzidos pelo organismo administrados desde o início do ciclo menstrual. Exames de ultrassonografia e dosagem hormonal são realizados regularmente para monitorizar a resposta dos ovários aos medicamentos e indicar o momento ideal para a punção folicular para coleta dos óvulos.
Quando os folículos atingem o tamanho ideal, administramos um hormônio para induzir a maturidade dos óvulos antes da punção. Cerca de 36 horas depois os óvulos maduros são coletados.
2 – Punção
Os óvulos maduros são coletados por punção folicular e identificados em laboratório.
A punção é guiada por ultrassom transvaginal e feita com a utilização de uma agulha fina: o líquido do interior dos folículos é aspirado.
O procedimento é realizado com a paciente sob sedação e dura aproximadamente 10 minutos. Os óvulos presentes no líquido folicular aspirado são identificados com o auxílio de um microscópio potente.
3 – Coleta do sêmen
A coleta do sêmen deve ser feita simultaneamente à punção folicular. É bastante simples, realizada na própria clínica, por masturbação em recipientes esterilizados. Em alguns casos, é necessário realizar uma aspiração do epidídimo ou do testículo. Isso é necessário quando os espermatozoides não estão presentes no sêmen, condição conhecida como azoospermia, uma das causas mais comuns de infertilidade masculina.
A recuperação dos espermatozoides do epidídimo, duto no qual eles são armazenados após a produção, pode ser realizada por duas técnicas: PESA e MESA.
PESA, percutaneous epididymal sperm aspiration, ou aspiração percutânea de espermatozoides do epidídimo, utiliza uma agulha fina conectada a uma seringa para coletar os espermatozoides. É realizada em ambiente ambulatorial, apenas com o uso de anestesia local ou sedação.
MESA, microsurgical epididymal sperm aspiration, ou aspiração microcirúrgica de espermatozoides do epidídimo é de maior complexidade, por isso, geralmente é realizada em ambiente hospitalar, com a utilização de anestesia local ou geral. Uma incisão na bolsa escrotal possibilita a exposição dos testículos e um microscópio identifica o túbulo epididimário que contém maior quantidade de liquido seminal para ser aspirado.
Nos testículos, local em que os espermatozoides são produzidos nos túbulos seminíferos, eles são recuperados pelas técnicas TESE e Micro-TESE.
TESE, testicular sperm extraction, ou extração de espermatozoides dos testículos, prevê a coleta de espermatozoides por biópsia aberta: uma incisão na bolsa escrotal expõe os testículos e extrai os túbulos seminíferos que podem conter espermatozoides.
O procedimento pode ser repetido em diferentes locai, de um mesmo testículos ou em ambos testículos, para garantir que uma quantidade suficiente de espermatozoides seja coletada.
Micro-TESE, microdissection testicular sperm extraction, ou extração de espermatozoides por microdissecção testicular, apenas se diferencia da TESE pelo uso de um microscópio, que possibilita melhor avaliação dos tubos seminíferos.
Posteriormente, as amostras são processadas por técnicas de preparação seminal, que utiliza diferentes métodos para capacitar os espermatozoides, selecionando para a fecundação os que possuem melhor morfologia (forma) e motilidade (movimento).
4 – Fecundação dos óvulos
Após a seleção dos gametas (óvulos e espermatozoides), a inseminação ocorre em laboratório, feita por injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI). Na FIV com ICSI cada espermatozoide é novamente avaliado individualmente, em movimento, por um microscópio de alta potência e resolução. Depois de ser avaliado é injetado diretamente no citoplasma do óvulo por um micromanipulador de gametas, aparelho de grande precisão acoplado ao microscópio.
O método proporciona elevadas chances da fecundação ser bem-sucedida e, consequentemente, de mais embriões resultarem desse processo.
5 – Cultivo de embriões em laboratório
Os embriões são cultivados em laboratório por até seis dias, quando o embrião está na fase de blastocisto, o que se tornou possível apenas recentemente, com o desenvolvimento dos meios de cultura.
O desenvolvimento embrionário é avaliado diariamente, possibilitando a identificação dos embriões com melhor potencial para implantar, além de ser importante para determinar o melhor momento para transferência, definido de acordo com cada caso.
6 – Transferência dos embriões
Os embriões são inseridos em um cateter e depositados gentilmente no fundo do útero. O procedimento, guiado por ultrassonografia, é rápido e indolor. A transferência pode ser feita em duas fases: clivagem, entre o segundo e terceiro dia, ou blastocisto, entre o quinto e sexto dia.
A fase mais adequada deve ser indicada de acordo com cada paciente, sendo orientada pelo especialista em reprodução humana.
Os embriões que não forem transferidos frescos podem ser congelados para serem utilizados em um próximo ciclo de tratamento, ou no futuro.
O congelamento dos embriões excedentes, isto é, não transferidos, é feito logo após, na fase de clivagem ou blastocisto. A taxa de gravidez é a mesma, assim a decisão acontece de acordo com cada caso.
Outra possibilidade é o congelamento de todos os embriões, método conhecido como freeze-all. É indicada quando existe o risco de desenvolver a síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO) ou alguma situação que possa reduzir a chance de gravidez, como endométrio inadequado ou elevação prematura dos níveis de progesterona. Assim, com todos os embriões congelados, pode-se realizar a transferência em ciclo posterior. A técnica mais utilizada para criopreservação é a vitrificação.
Técnicas complementares à FIV
O tratamento por FIV pode ser complementado a partir da utilização de diferentes técnicas, indicadas de acordo com cada paciente. As técnicas complementares à FIV incluem:
Teste genético pré-implantacional (PGT): possibilita o diagnóstico de doenças genéticas e anormalidade cromossômicas nos embriões, com a utilização de diferentes técnicas: PGT-M, para detectar distúrbios genéticos, PGT-A e PGT-SR, para anormalidades cromossômicas.
É uma ferramenta molecular que utiliza a tecnologia NGS (Next Generation Sequencing), técnica de alto rendimento que analisa as células do embrião em blastocisto, possibilitando o sequenciamento de milhares de fragmentos de DNA e, assim, a detecção de diferentes doenças genéticas e anormalidades cromossômicas.
As doenças genéticas geralmente são causadas por um único gene (doenças monogênicas), que pode ser dominante ou recessivo, enquanto as anormalidades cromossômicas podem ser numéricas ou estruturais.
Dentre as doenças que o PGT pode detectar estão a Acondroplasia, Fibrose Cística, Hemofilia, Adrenoleucodistrofia, Anemia de Fanconi e distúrbios cromossômicos.
O PGT é a única maneira de evitar a transmissão de doenças genéticas quando existe o risco e o desejo de usar os próprios gametas.
Hatching assistido ou eclosão assistida: nos primeiros dias de vida o embrião é envolvido por película chamada zona pelúcida e deve rompê-la para que a implantação aconteça, o processo é chamado eclosão ou hatching.
Dificuldades para romper a zona pelúcida podem acontecer a embriões formados com óvulos de mulheres mais velhas e podem provocar falhas na implantação. O hatching assistido (HA) é um procedimento que cria aberturas na zona pelúcida para ajudar na saída do embrião de dentro da zona pelúcida.
Na gestação natural, o embrião implanta no sexto dia de desenvolvimento, fase conhecida como blastocisto. Para que a implantação aconteça, o embrião precisa se livrar da zona pelúcida. Isso acontece porque o embrião aumenta de tamanho e rompe a zona pelúcida. Existem algumas substâncias que também auxiliam na dissolução dessa membrana.
Na reprodução assistida, o procedimento é realizado nos casos em que a zona pelúcida é mais espessa. Acontece em laboratório, geralmente por tecnologia à laser, embora as aberturas artificiais também possam ser feitas por produtos químicos que promovem a dissolução do local, ou mecanicamente, com o auxílio de uma microagulha.
As indicações são muito limitadas, para os casos em que a zona pelúcida é muito espessa.
Doação de gametas e embriões: a doação de gametas (óvulos e espermatozoides) e embriões é importante para pessoas que não podem realizar o tratamento com gametas próprios e para que casais homoafetivos possam ter filhos. Os casais femininos, por exemplo, precisam contar com a doação de espermatozoides e os masculinos, de óvulos.
Útero se substituição: ao mesmo tempo que é indicada para mulheres com problemas uterinos que impedem a gravidez, também é fundamental para gestação de casais homoafetivos masculinos.
O Conselho Federal de Medicina, órgão que orienta a reprodução assistida no Brasil, permite que o útero seja cedido por familiares próximos dos pacientes como mães, tias, irmãs, primas ou sobrinhas. Pessoas que não são da família também podem ser útero de substituição, mas precisam de autorização específica. Embora a técnica seja conhecida popularmente como barriga de aluguel, a relação comercial e com fins lucrativos é proibida no país.
Preparo seminal: o preparo seminal é uma técnica que capacita os espermatozoides, proporcionando a seleção dos que possuem melhor forma e movimento por diferentes métodos. Os mais frequentemente utilizados são a lavagem simples, o gradiente descontínuo de densidade e a migração ascendente (swim-up), indicados a partir de critérios como qualidade do sêmen, concentração e qualidade dos espermatozoides presentes nas amostras, analisados pelo espermograma, exame padrão para avaliar a fertilidade masculina.
Congelamento de gametas e embriões: o congelamento de gametas (óvulos e espermatozoides) é importante para preservação da fertilidade de pacientes com câncer (preservação oncológica da fertilidade).
Com o avanço das técnicas de congelamento, também se tornou tendência mundial para mulheres que pretendem adiar os planos de gravidez. Nesse caso, é conhecido como preservação social da fertilidade.
Conheças as doenças femininas que podem causar infertilidade e são tratadas pela FIV
Diferentes doenças, comuns durante a fase reprodutiva feminina, podem causar alterações na fertilidade e dificuldades para engravidar. No entanto, elas podem ser tratadas na maioria dos casos, proporcionando a restauração da fertilidade.
Quando são descobertas tardiamente e provocam maiores danos ao sistema reprodutor feminino, ou nos casos em que o tratamento não é bem-sucedido, as mulheres que estão tentando engravidar podem contar com o auxílio da FIV.
Veja abaixo as doenças que podem resultar em infertilidade e saiba como elas podem ser tratadas:
Síndrome dos ovários policísticos (SOP)
Na SOP, um desequilíbrio hormonal, caracterizado pelo aumento de androgênios, principal hormônio masculino também produzido em menor quantidade pelos ovários, impede o crescimento folicular (anovulação ou ausência de ovulação), levando a um acúmulo de vários pequenos folículos na parte externa dos ovários. A SOP é considerada a principal causa de infertilidade por anovulação.
Entre os fatores associados ao desenvolvimento da doença está a obesidade. Mulheres com obesidade podem apresentar resistência à insulina (RI), hormônio responsável pelo metabolismo da glicose para gerar energia. A RI resulta em elevação da produção da insulina, que em níveis mais altos dificulta a resposta dos folículos ao hormônio folículo-estimulante (FSH).
O tratamento para mulheres com SOP que estão tentando engravidar é a estimulação ovariana, uma etapa importante em todas as técnicas de reprodução assistida, incluindo a FIV.
Endometriose
Na endometriose um tecido semelhante ao endométrio, que reveste internamente o útero, cresce fora da cavidade uterina. Os locais mais frequentes são os ligamentos que o sustentam, ovários, tubas uterinas, trato urinário e o intestinal. Pode estar associado à infertilidade quando altera as relações anatômicas, impedindo os processos fisiológicos acontecerem, tanto pela presença de aderências quanto pela presença de cistos grandes.
A FIV é indicada para mulheres com infertilidade, pois a fecundação ocorre em laboratório e os embriões são transferidos diretamente para o útero, sendo possível contornar as alterações.
Miomas uterinos
Miomas são tumores benignos que crescem no útero a partir uma única célula do miométrio. De acordo com o local que se formam podem interferir na fertilidade, alterando a receptividade do endométrio ou provocando obstruções nas tubas uterinas.
Os miomas podem ser minúsculos ou ter tamanhos maiores. Nesse caso, tendem a provocar anormalidades na anatomia uterina, impedindo ou dificultando a sustentação da gestação.
Mulheres com anormalidades uterinas mais graves que não puderam ser corrigidas cirurgicamente, podem ainda ter filhos utilizando o útero de substituição.
Processos inflamatórios
Inflamações que afetam os órgãos reprodutores – útero, ovários e tubas uterinas – se não forem adequadamente tratadas também tendem a causar a formação de aderências, impedindo a fecundação ou dificultando o desenvolvimento da gestação.
Quando isso acontece, assim como a endometriose avançada e miomas uterinos, a FIV contorna os problemas de obstrução e alterações na anatomia uterina.
Distúrbios genéticos
Doenças genéticas e anormalidades cromossômicas, da mesma forma que podem ser transmitidas para o feto, também podem causar falhas na gestação. A aneuploidia, alteração cromossômica numérica caracterizada pela presença ou ausência de mais cromossomos do que o normal, é associada a falhas na implantação e abortamentos recorrentes.
O teste genético pré-implantacional, ao analisar as células embrionárias, possibilita a transferência para o útero apenas dos embriões sem a doença genética avaliada.
Além das doenças que afetam a capacidade reprodutiva, o avanço da idade, com a diminuição da reserva ovariana, também leva à infertilidade. A FIV aumenta as chances de gravidez de mulheres acima dos 36 anos, ao mesmo tempo que possibilita a preservação da fertilidade em antecipação ao declínio natural (preservação social da fertilidade).
Complicações da FIV
Medicamentos utilizados para estimulação ovariana, em raros casos, podem provocar a síndrome da hiperestimulação ovariana (SHO). O risco de desenvolver a síndrome é de aproximadamente 1 para cada 10.000 casos. Os sintomas são:
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Náuseas;
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Inchaço;
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Vômito;
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Dificuldade respiratória;
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Dor abdominal.
A gestação gemelar é uma gravidez de risco, sendo considerada um efeito adverso do tratamento. Potencialmente mais perigosa quando comparada a gestação única, aumenta o risco de pré-eclâmpsia, prematuridade, recém-nascidos com baixo peso ou natimortos.
Duração do tratamento por FIV
O tratamento por FIV tem duração aproximada de 15 dias, considerando a realização de todas as etapas, até a transferência dos embriões.
Índice de sucesso da FIV
O sucesso da FIV está associado a diferentes variáveis, como por exemplo a idade da paciente e a qualidade dos embriões. No entanto, a fertilização in vitro registra números bastante expressivos de nascidos vivos por ciclo de realização.
O estudo mais recente realizado pela Sociedade Americana para Tecnologias de Reprodução Assistida (SART), indica que até 35 anos o percentual pode ultrapassar a metade nos procedimentos realizados e reduz com o avanço da idade. Veja abaixo o resultado de acordo com a faixa etária:
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Mulheres com até 35 anos: 54,5%;
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Mulheres entre 35 e 37 anos: 40,3%;
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Mulheres entre 38 e 40 anos: 25,9%;
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Mulheres entre 41 e 42 anos: 13,4%;
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Mulheres acima de 42 anos: 4,1%.