A criopreservação é uma técnica de congelamento de tecidos biológicos e células, como espermatozoides, óvulos, embriões e tecidos extraídos das gônadas (ovários e testículos). Esses materiais podem ficar preservados em uma temperatura de 196°C negativos, a fim de que possam ser utilizados posteriormente.
O objetivo de criopreservar materiais biológicos consiste em suspender o metabolismo, mas garantir a viabilidade das células para uso futuro. O método de congelamento mais utilizado atualmente é a vitrificação, que permite congelar os tecidos de modo ultrarrápido, evitando que se formem cristais de gelo no interior das células.
Substâncias crioprotetoras são adicionadas para proteger as células durante o processo de congelamento e descongelamento. Com esses recursos, é possível manter gametas e embriões congelados por muitos anos sem causar danos celulares.
Este texto aborda a importância da criopreservação no contexto da reprodução assistida, como é realizada e para quem é indicada.
Criopreservação na reprodução assistida: qual é a importância?
A reprodução assistida é a área da medicina que trabalha com técnicas de baixa e alta complexidade para auxiliar no processo reprodutivo de indivíduos e casais que não conseguem engravidar naturalmente.
A relação sexual programada e a inseminação artificial são as técnicas de menor complexidade, nas quais a fertilização do óvulo ocorre no corpo da mulher (in vivo), em uma das tubas uterinas, assim como na reprodução natural.
A técnica mais complexa é a fertilização in vitro (FIV), que, como o próprio nome indica, envolve a fecundação dos óvulos em laboratório. Para isso, os gametas femininos e masculinos são coletados e os embriões formados in vitro são transferidos para o útero da mulher que deseja engravidar.
A criopreservação é uma técnica de grande importância na reprodução assistida, pois há várias situações que demandam o congelamento de gametas e embriões para serem utilizados em uma ocasião futura.
Congelar óvulos, sêmen e embriões humanos é uma prática que amplia as possibilidades de gravidez para pessoas que não podem ou não pretendem ter filhos agora, mas que querem manter esse plano para os anos seguintes — é o que chamamos na reprodução assistida de preservação da fertilidade, seja por motivos médicos ou pessoais.
Durante os tratamentos com FIV, a criopreservação também pode ser feita devido à necessidade de adiar a transferência dos embriões para o ciclo seguinte. O congelamento de todos os embriões gerados no mesmo ciclo é chamado de freeze-all, há indicações específicas para isso, como veremos a seguir.
Para quem é indicada a criopreservação de gametas e embriões?
A criopreservação é indicada para preservar materiais coletados e ainda não utilizados em procedimentos como a FIV, assim podem ser utilizados futuramente.
Casais em tratamento para infertilidade com as técnicas de reprodução assistida e que tenham uma quantidade excedente de embriões, bem como óvulos e espermatozoides, podem mantê-los congelados para uso posterior, tanto para o caso de não haver gravidez (tornando desnecessária uma nova indução da ovulação) quanto para o caso de haver a gravidez e os casais desejarem um novo filho.
Podemos separar as indicações para a criopreservação em 5 situações no contexto da reprodução assistida:
- preservação oncológica da fertilidade;
- preservação social da fertilidade;
- freeze-all;
- congelamento de embriões excedentes;
- doação de gametas.
Veja com mais detalhes cada situação!
Preservação oncológica da fertilidade
Mulheres e homens que precisam se submeter a tratamentos para câncer, como quimioterapia, radioterapia ou cirurgia, podem ter sua fertilidade comprometida pelo tratamento. Para aqueles que não têm sua prole definida, a criopreservação de óvulos e espermatozoides é uma ótima alternativa.
Os tratamentos oncológicos podem causar efeitos colaterais adversos, temporários ou irreversíveis, nas funções reprodutivas. Sendo assim, esses pacientes devem ser devidamente informados sobre os possíveis impactos das terapias e sobre a possibilidade de congelar seus gametas para preservar a fertilidade.
A criopreservação da fertilidade por razões médicas também é indicada antes de cirurgias nas gônadas, como a retirada de endometrioma (cisto de endometriose ovariana), cistos ou tumores ovarianos e, em alguns casos, a correção de varicoceles (varizes testiculares).
Outro motivo de saúde para a indicação da criopreservação de óvulos é o risco de falência ovariana prematura (FOP) ou menopausa precoce. Enquadram-se nesse grupo, por exemplo, as mulheres com história de FOP na família e as que são diagnosticadas com alterações genéticas, como as síndromes de Turner e do X-frágil.
Preservação social da fertilidade
A criopreservação de oócitos também tem sido muito procurada em razão de uma escolha pelo adiamento da maternidade. Hoje em dia, o público de mulheres que desejam adiar a gestação por motivos pessoais ou profissionais cresce exponencialmente. Uma forma de manter a fertilidade para essas mulheres, portanto, é o congelamento de óvulos ou embriões.
Ao criopreservar seus óvulos, a mulher pode minimizar os efeitos do tempo sobre a qualidade e a quantidade dos gametas, uma vez que não existe produção de novos oócitos ao longo da vida reprodutiva feminina.
A menina nasce com todos os óvulos armazenados nos ovários (reserva ovariana), os quais poderão ser desenvolvidos e ovulados no decorrer dos ciclos menstruais. Com o passar dos anos (sobretudo, a partir dos 35) ocorre a diminuição do número de folículos ovarianos (estruturas que guardam os oócitos) até chegar ao completo esgotamento da reserva ovariana, na menopausa.
Embora a redução da quantidade de óvulos seja preocupante, é principalmente a mudança na qualidade dessas células que irá comprometer as chances de gravidez. Com o envelhecimento dos gametas femininos, há mais riscos de formar embriões frágeis, com alterações cromossômicas e dificuldades de implantação no útero.
Freeze-all
Nosso grupo publicou, nos últimos anos, uma série de estudos demonstrando que, em algumas situações, a chance de gravidez é maior após transferência de embriões que estavam criopreservados do que embriões a fresco.
A técnica freeze-all é indicada para mulheres com risco de síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO), elevação nos níveis de progesterona, entre outras condições que possam afetar a implantação embrionária no mesmo ciclo em que os embriões foram gerados. O mais importante é individualizar, isto é, analisar cada caso individualmente.
A indicação para o teste genético pré-implantacional (PGT) também pode demandar a realização do freeze-all. De grande importância na reprodução assistida — nos tratamentos com FIV, em específico —, o PGT é aplicado na investigação de anormalidades gênicas e cromossômicas nos embriões.
Congelamento de embriões excedentes
Na FIV, os óvulos e os espermatozoides são coletados e os embriões são gerados em laboratório. No início do tratamento, a mulher passa por estimulação ovariana e o objetivo dessa técnica é estimular o desenvolvimento de múltiplos óvulos — quanto maior o número obtido, maior a chance de ter embriões viáveis para a implantação no útero.
No entanto, as normas éticas do Conselho Federal de Medicina (CFM) limitam o número de embriões a serem transferidos, para evitar gestações gemelares. Conforme a idade da mulher, a transferência é feita com, no máximo, 2 ou 3 embriões.
Dessa forma, os embriões excedentes são criopreservados e, futuramente, o casal pode fazer novas tentativas de gravidez sem precisar passar por todas as etapas da FIV.
O CFM também orienta que, antes de gerar os embriões, os pacientes decidam quanto ao destino que será dado aos que ficarem em criopreservação, considerando situações como divórcio ou falecimento. A doação de embriões também é uma alternativa.
Doação de gametas
A doação de sêmen é outra técnica da reprodução assistida que precisa de criopreservação. Os gametas masculinos são recebidos, geralmente, de doadores anônimos. As amostras do material biológico passam por análise e preparo seminal, depois são congeladas até serem escolhidas por uma mulher ou casal em tratamento de reprodução.
Tanto a FIV quanto a inseminação artificial podem ser feitas com doação de sêmen. Essa é uma alternativa para: casais com problemas seminais severos, que não possam ser superados com outras técnicas; mulheres solteiras que desejam a maternidade independente; casais homoafetivos femininos.
A ovodoação (doação de óvulos) também pode envolver a criopreservação, mas nem sempre. Depende da forma de ovodoação que é realizada:
- na doação de óvulos voluntária, uma mulher saudável doa seus óvulos e eles são criopreservados até serem escolhidos por um casal infértil;
- na ovodoação compartilhada, a doadora e a receptora estão em tratamento com FIV e podem ter seus ciclos reprodutivos sincronizados com o uso de fármacos hormonais, de modo que os embriões podem ser transferidos no mesmo ciclo em que os óvulos foram coletados (sem congelamento).
De que modo é realizada a criopreservação?
O primeiro passo é coletar os espermatozoides e os óvulos a serem colocados em criopreservação. Os gametas masculinos são obtidos pela masturbação. Os homens que não têm espermatozoides no sêmen ejaculado podem fazer a coleta por punção testicular. Já as mulheres precisam se submeter inicialmente à indução de ovulação.
Quando os folículos ovarianos atingem o tamanho adequado, realiza-se a aspiração folicular para coleta dos óvulos. Trata-se de uma punção transvaginal guiada por ultrassom: a mulher se mantém em posição ginecológica e, com o auxílio de uma agulha fina, o líquido do interior dos folículos é aspirado.
O procedimento de aspiração folicular é realizado sob sedação e dura aproximadamente 10 minutos. O líquido aspirado é levado a um microscópio e os óvulos podem ser identificados.
Inicialmente, os materiais biológicos são colocados no material a ser congelado, substâncias denominadas crioprotetoras que têm duas funções principais: evitar a formação de cristais de gelo no interior dos espermatozoides, óvulos ou embriões, o que inviabilizaria seu uso posterior, e conservar suas estruturas internas.
A vitrificação é o método mais usado atualmente porque, de acordo com pesquisas recentes, é o procedimento que menos afeta os gametas e embriões e a taxa de congelamento é muito superior a outras técnicas: 2500°C por minuto, portanto, todo o processo leva cerca de 3 minutos. O descongelamento também é mais rápido, pois acontece a uma taxa de 300°C por minuto.
A etapa final é a armazenagem em tanques de nitrogênio líquido, os quais mantêm a temperatura de -196°C. Os materiais são colocados em palhetas identificadas e podem ficar congelados por tempo indeterminado. Há casos de gravidez depois de os embriões permanecerem criopreservados por mais de 20 anos.
Quais são as chances de sobrevivência dos gametas/ embriões e de gravidez?
As taxas de sobrevivência de espermatozoides, óvulos e embriões, após o descongelamento, variam entre 90 e 95% e as taxas de gravidez são semelhantes aos ciclos a fresco, dependendo da idade feminina e da causa de infertilidade.
Como é realizado o descongelamento?
O descongelamento é um procedimento em que se retorna o material criopreservado à temperatura corporal. É feito de forma inversa com a retirada dos crioprotetores e suplementação com meios de cultivo.
Tanto a criopreservação quanto o descongelamento são procedimentos seguros, que mantêm a integridade e a viabilidade dos gametas e embriões para que eles possam ser usados quando os pacientes decidirem prosseguir com seus planos de ter filhos.